domingo, 30 de dezembro de 2018

TEMPLO DE HONRA (Ehrentempel)


A Cidade de Munique, capital do Estado da Baviera, sempre foi o berço da revolução nacional-socialista. Dez anos antes de subir ao poder, pelos meios democráticos, o jovem ex-cabo do Exército Adolf Hitler, então com apenas 34 anos, tentou assumir o controle daquele Estado na base da força. Seria o primeiro passo para dominar todo o país. No dia 09/11/1923 o seu partido julgava-se forte o suficiente para subjugar quem o impedisse de entrar na sede do Ministério da Guerra e da Câmara Municipal, ocupando o governo.
Seguido por fanáticos simpatizantes, figuras proeminentes da política e do Exército, três mil membros dos "Camisas Pardas" e possuído de uma forte determinação, Hitler liderou uma marcha pelo centro da cidade da famosa cervejaria Bürgerbräukeller (palco de seus acalorados discursos contra a enfraquecida república de Weimar, vide postagem aqui) até o Feldhernnhalle (Câmara Municipal).
No meio da caminhada, próximo ao Ministério da Guerra, os conjurados se depararam com um bloqueio feito por um destacamento da polícia, contudo se recusaram a parar. A polícia abriu fogo contra os revoltosos que revidaram os disparos, iniciando-se um confuso tiroteio e muito corre-corre. O final foi trágico para o líder do movimento: dezenas de feridos, dezesseis mortos e dispersão total da marcha. Entre os feridos encontravam-se o próprio Hitler e seu fiel camarada de luta política, Hermann Göring.

Foto 1: Desenho reproduzindo o momento do tiroteio que dispersou a marcha e acabou com a tentativa de golpe.

Após Hitler passar nove meses na cadeia cumprindo pena por traição, a ideia de assumir o poder total da Alemanha nunca lhe fugiu da mente, todavia, agora, seria pelas vias legais. Os dezesseis companheiros que haviam tombado na marcha não seriam jamais esquecidos e se tornariam mártires do movimento nacional-socialista.

Foto 2: Os dezesseis mortos pela causa nazista: Felix Allfartth (*05/07/1901), Andreas Bauriedl (*04/05/1879), Theodor Casella (*08/08/1900), Wilhelm Ehrlich (*08/08/1894), Martin Faust (*04/01/1901), Anton Hechenberger (*28/09/1902), Oskar Körner (*04/01/1875), Karl Kuhn (*07/07/1875), Karl Laforce (*28/10/1904), Kurt Neubauer (*27/03/1899), Klaus von Pape (*16/08/1904), Theodor von Pfordten (*14/05/1873), Johann Rickmers (*07/05/1891), Max-Erwin von Scheubner-Richter (*21/01/1884), Lorenz von Stransky-Griffenfeld (*14/03/1889), Wilhelm Wolf (*10/10/1898).

Os caixões dos "heróis" foram enterrados em diversos cemitérios da cidade, mas em 1933, após Hitler tornar-se Chanceler da Alemanha, a fim de comemorar dez anos do golpe, resolveu reunir todos em um só local a fim de transformar a data numa das mais importantes da era nazista. O local escolhido foi a própria sede da Feldhernnhalle, em frente a Odeonplatz, onde dezesseis lápides foram erguidas lado à lado com o nome de cada mártir com dizeres exaltando o feito e transformando o local num santuário guardado por sentinelas nazistas onde os transeuntes ao passar deveriam fazer a tão consagrada saudação nazista.

 Foto 3: A saudação era exigida até para ciclistas.

Foto 4: Cerimônia em homenagem aos que tombaram no golpe de 09/11/1923.

Foto 5: Cerimônia noturna onde se distingue claramente as lápides verticais acesas por piras diante de tropas das SS

Foto 6: O Templo era guarnecido por sentinelas-SS postados na lateral leste em meio a ramos de flores. 

Foto 7: Uma placa tendo ao topo a águia nazista segurando a suástica tinha os dizeres: "Em 09 de novembro de 1923 tombaram na frente da Câmara Municipal e no Ministério da Guerra os seguintes homens na fiel ressurreição de seu povo: (segue relação nominal de cada um dos dezesseis mortos)". Vide foto 2.

Foto 8: Imagem antiga da fachada principal do Feldhernnhalle antes da colocação dos heróis mortos.

A partir de 1933 e todos os anos seguintes, a medida que o poder nazista ia se consolidando despótico na Alemanha, a data de 9 de novembro passou a ser sagrada e todo aniversário era comemorado com honras de Estado. Havia uma marcha encabeçado pelos "velhos camaradas" do golpe que percorriam o trajeto original em meio a uma multidão entusiasmada de nazistas.

Foto 9: Pelos trajes usados pode-se dizer que se trata de uma das primeiras marchas realizadas pelo NSDAP, antes de assumir o poder em 1933. Algumas figuras ilustres podem ser identificadas além de Adolf Hitler, encabeçando o grupo: Rudolf Hess (vide bio aqui), de casaco claro sem chapéu à direita; Heinrich Himmler (vide bio aqui), atrás de Hess; Wilhelm Frick (futuro Ministro do Interior), atrás de Himmler e Julius Streicher (editor antissemita), ao lado de Himmler. Não se observa também ninguém portando a condecoração alusiva ao evento (Blutorden - vide detalhes aqui) e instituída em 1934.

Foto 10: Adolf Hitler presta homenagem aos mártires de 09 de novembro no Feldhernnhalle.

Todavia, o Führer com sua crescente mania de grandeza, não estava satisfeito com o local onde os que tombaram no movimento de 1923 estavam depositados. Para a cerimônia do ano de 1935 ele ordenou a construção do novo Templo de Honra em estilo greco-romano bem no centro da Königplatz de Munique.

Foto 11: A grande Königplatz. Localizava-se próximo aos prédios da administração municipal e da sede do NSDAP, conforme acima assinalados. Clicar na imagem para ampliar.

Foto 12: Visão aérea mostrando a praça e suas grandes construções ao redor. Em primeiro plano está o Propyläen - monumento em homenagem à ascensão de Otto da Grécia, filho de Ludwig I ao trono da Baviera que libertou a Grécia do Império Otomano (1821-29). À direita da praça está a construção mais antiga - Glyptothek, museu de antiguidades clássicas e à esquerda o Staatliche Antikensammlungen (Galeria Nacional de Arqueologia), cujo término da construção data de 1848. Vide assinalados na foto seguinte. Os prédios mais modernos ao lado de ambos os Templos de Honra, pertencentes à administração do município na década de 30 foram preservados e os outros acima descritos, apesar dos estragos causados pelos bombardeamentos aliados em Munique ao final da guerra, foram recuperadas e fazem parte do grande acervo cultural da cidade até hoje, passeio obrigatório de turistas do mundo todo que visitam a metrópole. Clique na imagem para ampliar.

Foto 13: Nova tomada aérea da praça. O Templo de Honra eram as duas construções baixas semelhantes entre os dois grandes prédios.

Foto 14: Aproximação no plano da calçada da praça.

Foto 15: Visão interessante da posição de ambos os templos. O prédio no centro ao fundo é a sede do NSDAP (vide assinalado na foto 11).

Foto 15a
 
Foto 15b: Imagem extraída de cartão postal. É interessante observar a construção vista ao fundo, trata-se da Braunes Haus (Casa Marrom). É a sede do NSDAP em Munique. Foi destruída por bombardeio aéreo em 1943. Nas duas fotos anteriores ela também está visível.

Foto 16: Visão aproximada dos dois templos com suas colunas sustentando um teto semi vazado. Em cada templo jaziam 8 caixões dispostos em duas fileiras de quatro com dizerem gravados em cada um. Quatro piras de mais de 2 metros de altura em cada vértice do prédio, davam ao local, quando acesas, uma atmosfera de respeito e reverência aos ali enterrados. Dois sentinelas em cada templo guarneciam a escadaria principal.

Foto 17: Imagem semelhante, porém original. Ao fundo e à esquerda o segundo templo gêmeo.

Foto 18: Visão colorizada do interior do templo. Observar a disposição simétrica dos caixões, a pira no canto superior esquerdo, os louros de flores deixados após uma cerimônia e ao fundo a praça Königplatz.

Foto 19: Nova tomada, mostrando a praça repleta de transeuntes.

Foto 19a

Foto 19b

Foto 20: Aqui é possível observar no alto, à direita, parte do outro templo com sua pira característica em um dos cantos.

Foto 21: As celebrações anuais do 9 de novembro, exceto a marcha, continuaram sendo realizadas até 1943. Nesta foto podemos ver um gauleiter (Líder regional do NSDAP) depositando flores nos túmulos dos heróis enquanto tropas SS e populares permanecem ao redor do templo. O militar de pé no alto da escada provavelmente é o Marechal-de-campo Keitel (vide bio aqui), reverenciando o momento com seu bastão de comando.

Foto 22: O Führer presta homenagem aos heróis diante do Templo de Honra na Königsplatz. Alinhados na calçada os "velhos "camaradas" de luta.

Foto 23: Apesar da construção do novo Templo de Honra as marchas continuaram sendo realizadas por algum tempo. Aqui observamos um grupo encabeçado por Hitler e Göring, em 09/11/1938, preparando-se para iniciar a caminhada pelo trajeto original.

Foto 24: A marcha de 1938 em curso. Na extrema direita se podem identificar Himmler e Frick.

Foto 25: No interior do Templo o ditador alemão deposita uma coroa de flores nos túmulos e presta sua homenagem fazendo a tradicional saudação nazista.

Na cerimônia de 09/11/1939, Hitler escapou por pouco de um atentado à sua vida (vide postagem aqui) e, a partir de então, a marcha foi cancelada por questões de segurança, contudo o encontro dos líderes nazistas e os acalorados discursos continuaram a ocorrer com ou sem a presença de seu líder máximo. Em junho de 1945, logo após o término da guerra, os caixões com as ossadas foram devolvidos aos familiares das vítimas para que lhes dessem o destino desejado. Dois anos mais trade, em janeiro de 1947, o templo foi dinamitado, porém suas fundações resistiram ao tempo e ainda hoje são identificadas. A Feldhernnhalle também sobreviveu à guerra e, a partir de 1994, apenas uma pequena placa está afixada no piso homenageando somente os quatro policiais mortos no golpe de 09 de novembro de 1923.

Foto 26: "Aos membros da polícia do Estado da Baviera que lutaram na missão de encontro com os golpistas do nacional-socialismo em 09.11.1923: Friedrich Fink, Nikolaus Hollweg, Max Schobert e Rudolf Schraut".

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