quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O Incêndio do Reichstag

Reichstag em chamas
Quatro semanas após a subida do nacional-socialismo ao poder na Alemanha o imponente prédio do parlamento nacional, situado no centro de Berlim, foi tomado por um incêndio que destruiu parte de suas instalações. A câmara das sessões parlamentares ficou completamente destruída pelas chamas que alcançaram a altura da bela cúpula de vidro que, sem sustentação, acabou desabando. O fogo foi controlado pelos bombeiros em menos de duas horas, contudo o cenário parecia antever o que restaria da construção nos dias finais da guerra na Europa, doze anos mais tarde.
Muito além do prejuízo material o fato foi explorado pelos nazistas, ainda inseguros no poder, como um ato terrorista praticado pelos principais adversários políticos. O medo de uma revolta comunista que derrubasse o novo regime era pensamento frequente na mente do recém empossado chanceler, Adolf Hitler.
Van der Lubbe
A polícia prendeu, ainda na noite gelada do sinistro, dentro do prédio, um jovem holandês meio lunático que mais tarde confessaria o crime. Seu passado serviria como uma luva para os propósitos nazistas - Marinus van der Lubbe, pedreiro desempregado¹, chegara há poucos dias na Alemanha em busca de aventuras revolucionárias que provocassem a queda do capitalismo nazista. Sua militância no partido comunista holandês classificava-o de "perigoso" nos relatórios remetidos rapidamente pela polícia do país vizinho. Van der Lubbe insistiu em relatar que agira sozinho nos diversos depoimentos a que fora submetido e, a bem da verdade, naquela ocasião, a polícia política alemã ainda tratava os suspeitos com alguma imparcialidade. A riqueza de detalhes dos seus passos dentro do prédio sinistrado assim como os pontos onde ateou fogo eram suficientemente precisos com os fatos e levaram a polícia a afirmar categoricamente que ele falava a verdade. Sim, ele agira sozinho no interior do prédio, mas teria ele planejado tudo também sozinho?
Para os líderes nazistas, ainda inebriados pelo poder, era a ocasião certa para varrer definitivamente da Alemanha o câncer comunista. Se eles se aproveitaram do incêndio do Reichstag ou se foram os mentores é algo que permanecerá obscuro para a eternidade, pois até os dias atuais o assunto é repleto de conjecturas.
Hermann Göring² (vide bio aqui), então na presidência do parlamento, ao tomar conhecimento dos fatos, pronunciou-se apressadamente no sentido de estar havendo uma conspiração comunista com o objetivo de desestabilizar o regime. O malicioso Dr. Josef Goebbels² (vide bio aqui), futuro ministro da propaganda, juntou-se ao coro de Göring e ambos pressionaram a polícia a investigar o caso como terrorismo internacional. Centenas de suspeitos de participação foram presos e levados a "campos disciplinares" (o embrião dos campos de concentração) e quatro comunistas búlgaros foram acusados de estarem de alguma forma ligados ao incêndio.
No dia seguinte ao sinistro, 28 de fevereiro de 1933, Hitler conseguiu a assinatura do presidente Hindenburg num  nefasto Decreto de Emergência que punha por terra diversos artigos da Constituição e estabelecia limitações à liberdade individual do cidadão e da imprensa. O sigilo telefônico, telegráfico e postal estava abolido. Residências poderiam ser revistadas sem mandato judicial e propriedades confiscadas. Vários tipos de crime passaram a ser punidos com a pena de morte (entre eles o incêndio premeditado). O direito a livre associação com outras pessoas e reuniões públicas também estavam proibidos. E o pior de tudo - pessoas consideradas suspeitas poderiam ser presas sem julgamento. Numa só tacada os nazistas sepultaram a democracia da República de Weimar e deram o primeiro passo em direção ao poder absoluto.
As eleições parlamentares de 5 de março trouxeram resultados extras ao partido nacional-socialista depois da frenética campanha eleitoral contra os comunistas e todos os críticos do regime, ameaçando-os com o terror imposto pelas organizações paramilitares (SA e SS). Apesar da grande quantidade de deputados eleitos para o Reichstag, o resultado não foi o esperado dado que o NSDAP ficou com apenas 44% da votação o que significava a necessidade de alianças políticas para a maioria governamental. A esquerda permanecera espantosamente coesa. Foi a última oportunidade do eleitorado alemão depositar seu voto na urna.
Sessão parlamentar
Alguns dias depois a nova formação do parlamento reuniu-se provisoriamente na Ópera Kroll. Os comunistas³, obviamente, não estavam presentes e homens das SS, portando armas, se posicionaram pelo plenário. Hitler subiu na tribuna fez um dos seus mais acalorados discursos e pediu, em tom ameaçador, quatro anos de ditadura! A famosa Lei da Capacitação Plena foi aprovada, depois de muita apreensão, por mais de 2/3 dos votos. Mesmo que os comunistas estivessem presentes e se aliassem aos demais partidos de oposição era certo que todos seriam igualmente perseguidos e esmagados pelas botas reluzentes dos guardas trajados de negro. A maioria dos contrários assim votou porque sentiu que esta era o única solução para evitar a guerra civil na Alemanha ou salvar sua pele. A partir de então não haveria mais oposição ao regime nazista. O incêndio do Reichstag havia incitado a legitimidade do terror hitlerista.
O julgamento
O julgamento de Van der Lubbe "e seus cúmplices" pela Corte Suprema Alemã começou em setembro de 1933 cercado de grande alvoroço popular e muitos jornalistas. A aparência sofrível do principal acusado foi alvo de muitos comentários. Vestia roupa de presidiário, cabelos em desalinho, cabeça sempre baixa e olhar perdido parecendo ausente, contrastava dos demais réus. Após três meses de exaustivos trabalhos o veredicto foi pronunciado - "os cúmplices" foram absolvidos por falta de provas convincentes e Van der Lubbe considerado culpado de alta traição e incêndio premeditado com objetivo político: pena de morte! Em 10 de janeiro de 1934, três dias antes de completar apenas 25 anos de idade, foi decapitado com um machado de cabo curto pelo carrasco do Estado. O "instrumento" usado pelos nazistas para dar um passo gigantesco na consolidação da ditadura e implementação do terror estava morto e Hitler prestes a completar apenas seu primeiro ano no poder.


Obs.: ¹ Van der Lubbe sofreu um acidente, aos 16 anos, que o deixou quase cego de um dos olhos e o impediu de crescer na profissão. A partir de então passou a sobreviver com a pequena quantia que o governo holandês lhe oferecia e, sem opções, desenvolveu sua vertente política.
² Alguns autores sustentam que Göring e Goebbels são, de fato, os mentores do incêndio. A residência de Göring era próxima ao parlamento e o casal Goebbels, no exato momento do sinistro, recebia o Chanceler Hitler para um amistoso jantar. Ao saberem do ocorrido naquela noite todos estavam diante do incêndio em poucos minutos a culpar os comunistas.
³ O Partido Comunista Alemão foi banido oficialmente em 14/07/1933 e o NSDAP tornou-se organização política única na Alemanha.



Nenhum comentário:

Postar um comentário