terça-feira, 7 de abril de 2015

1943 - O ano da inflexão


Muitos fatos ocorridos durante 1943 mostraram ao mundo que a sorte da guerra estava mudando. Três anos depois da arrasadora ofensiva alemã sobre a Polônia o ditador nazista ainda acreditava que seus exércitos eram invencíveis e destruiriam a Rússia. Este pensamento era compartilhado por grande parte de seus generais e praticamente todo o povo. Mas o ano de 1943 chegou trazendo uma sequência de desastres para as Wehrmacht que mudou radicalmente o entusiasmo dos mais fanáticos. Aqui vão os principais acontecimentos:

O fracasso do 6º Exército: A "Operação Azul" que tinha por principal objetivo a tomada da cidade de Stalingrado, à margem do rio Volga, foi deslanchada em julho de 1942. Até começo de dezembro o ataque obteve o êxito esperado muito embora houvesse se defrontado com uma defesa tenaz, principalmente no perímetro da cidade. Com o rigor do inverno os problemas começaram a surgir - falta de equipamentos adequados, escassez de combustível, mantimentos, medicamentos e munições. A promessa de abastecer por via aérea o 6º Exército, ponta de lança da operação, não se fez da forma necessária. Os mal preparados exércitos húngaros, italianos e romenos, que guarneciam os flancos dos alemães, seus aliados, foram derrotados pelo Exército Vermelho e, em 20 de dezembro o cerco ao 6º Exército se completou. Duzentos mil soldados ficaram presos no bolsão. A teimosia de Hitler em tomar a cidade a qualquer preço, condenou seus homens. A tentativa de furar o bloqueio pelo lado de fora (Operação Tempestade de Inverno), planejada às pressas, fracassou diante da decisão do General Paulus (vide bio aqui), comandante do 6º Exército, de obedecer cegamente às ordens do Führer e não retroceder nem um passo. Era o fim! As baixas só aumentaram enquanto o cerco ia cada vez mais se fechando. Em 31 de janeiro de 1943 os alemães se renderam. Noventa mil homens foram capturados entre eles 22 generais e seu comandante. Todos famintos, doentes, exauridos e desmotivados. Acabara de ocorrer a pior derrota da história militar da Alemanha. Vide mais detalhes aqui.

90 mil prisioneiros a caminho do cativeiro russo

O fracasso no norte da África: Após entrar em território egípcio (colônia da Grã-Bretanha) e se aproximar perigosamente da cidade do Cairo os exércitos ítalo-germânicos pararam para reabastecimento. Isto permitiu aos britânicos organizarem uma poderosa contra ofensiva. A segunda batalha de El Alamein (Operação Pé Ligeiro) travada no período de outubro e novembro de 1942 colocou os invasores em fuga constante para o oeste. O brilhante marechal alemão Erwin Rommel (vide bio aqui), comandante das tropas do Eixo na África, sem o necessário material humano e bélico, ordenou a retirada mesmo desobedecendo as ordens expressas do comandante supremo. Ao mesmo tempo, na Argélia e Marrocos (Operação Tocha - 7 de novembro), ocorreram desembarques aliados que imediatamente rumaram para leste a fim de encurralar as tropas nazistas pela retaguarda. Rommel sabia que sem suporte logístico mínimo não poderia deter a contra ofensiva britânica. Apesar das dificuldades, planejou maravilhosamente um recuo gradual que se prolongou por três meses, impedindo que seus homens fossem cercados e aniquilados na Líbia. Em março de 1943 Rommel voltou para a Alemanha a fim de reunir-se com Hitler e tratar problemas de saúde, passando o comando geral das tropas alemãs na África para o coronel-general von Arnim (vide bio aqui). Contudo a causa já estava perdida. Espremidos na península da Tunísia pelos exércitos anglo-americanos, sem apoio marítimo para uma retirada salvadora pelo Mediterrâneo ou qualquer perspectiva de reforços, as tropas se renderam em 13 de maio de 1943. Duzentos e trinta mil homens caíram prisioneiros. A insana persistência de Hitler em manter o norte da África ao mesmo tempo em que duelava com Stálin na Rússia causou perdas irreparáveis. E, o que é ainda pior, saindo os aliados vitoriosos, o Reich alemão ficava agora ameaçado pelo sul.

230 mil prisioneiros do Eixo ao norte da África

A Itália se retira da guerra: Muito embora o Führer considerasse o soldado italiano de baixo valor era necessário manter Mussolini ao seu lado do que contra ele. Dois meses após a derrota dos alemães na África os aliados desembarcaram na ilha da Sicília (Operação Husky - 9 de julho). Em quarenta dias de lutas os defensores se retiraram para o continente italiano em 17 de agosto de 1943. As consequências políticas foram imediatas na Itália. Mesmo antes da retirada total das tropas do Eixo da ilha, Mussolini foi deposto em 25 de julho pelo Grande Conselho Fascista e levado sob custódia¹. Em 8 de setembro o novo governo italiano, escutando o anseio do povo, exausto da guerra, se rende, secretamente, aos aliados.  A Itália, tradicional aliada da Alemanha nazista, acabara por trair Hitler. No dia seguinte o ditador alemão enfurecido ordena a ocupação daquele país e o desarmamento de suas forças armadas. Roma foi tomada no dia 10 quase sem resistência alguma. A relação do material saqueado é colossal. Já em 3 de setembro os aliados haviam desfechado a "Operação Avalanche" - o desembarque de tropas anfíbias pelos dois lados do continente italiano (Salermo e Tarento). Alemães e anglo-americanos estavam prontos para lutar em terreno italiano! No dia 13 de outubro o governo italiano declara guerra à Alemanha. Certamente um documento vazio que fazia parte do pacote de decisões acordado com os aliados.
Obs.: ¹ Benito Mussolini foi resgatado (Operação Carvalho), por determinação de Hitler, do local onde estava preso, em 12 de setembro, numa ação de comando arriscada e colocado como chefe de um governo fantoche fascista, no norte da Itália, controlado pelos nazistas.

A batalha de Kursk: vide aqui.
Com duas frentes na guerra (Rússia e Itália ou Rússia e norte da África), Hitler ficava oscilando para onde deveria remeter reforços e materiais necessários a fim de obter o sucesso militar desejado.

A oposição dentro de casa: vide aqui.
Não obstante existissem vários grupos de conspiradores dentro da Alemanha, o maior deles estava dentro das Wehrmacht (vide post aqui). A ideia de que Hitler levaria a Alemanha à destruição pela guerra já estava consolidada na mente de muitos militares do exército desde 1938, ocasião na qual os nazistas anexaram a região dos sudetos checos ao Reich. Aquele impasse foi decidido "diplomaticamente" evitando o início de um conflito armado no continente europeu. Isso apenas aumentou as ambições territoriais do Führer.
Com a deflagração da guerra, em setembro de 1939, novamente os oposicionistas se organizaram e por duas tentativas fracassaram em tentar eliminar o ditador germânico à tiros em eventos públicos. Os sucessos iniciais das tropas alemãs contra a Polônia, Holanda, Bélgica e França em conjunto com a crescente popularidade do líder nazista, arrefeceram o entusiasmo dos conspiradores. Contudo, em junho de 1941, com a invasão da Rússia, mais uma vez os grupos antinazistas perceberam o grande erro militar e político cometido pelo comandante supremo das Wehrmacht. Em 13 de março de 1943, logo após a humilhante derrota em Stalingrado, os conspiradores levaram a cabo uma tentativa concreta de eliminar o tirano alemão colocando uma bomba de efeito retardado oculta dentro do avião no qual ele viajava de volta para a Alemanha, após uma visita ao front leste. O artefato não explodiu e, novamente, o grupo conspirador voltava ao ponto de partida. Pelo menos outras quatro tentativas de matar Hitler ocorreram ainda durante o ano de 1943. Todas falharam devido a inconstante agenda do Führer, que frequentemente cancelava seus compromissos. A despeito de todo rigor imposto pela Gestapo na procura e eliminação destes grupos de conjurados, eles nunca abandonaram suas reais convicções e continuaram a se reunir secretamente em busca de soluções radicais que pusessem fim a guerra e salvassem a pátria.

O bombardeio estratégico aliado: A tática aliada de destruir os principais centros industriais da Alemanha através de contínuos bombardeios aéreos já estava em prática desde 1942, porém a partir do 2º semestre de 1943 experimentou um incremento significativo.
Durante oito dias consecutivos a partir de 27 de julho de 1943 a cidade de Hamburgo (Operação Gomorra) sofreu um dos maiores super bombardeamento da guerra aérea quando ao redor de 3 mil aeronaves da RAF e USAAF despejaram 9 mil toneladas de bombas incendiárias deixando um rastro de 250 mil moradias destruídas com 43 mil mortos e 37 mil feridos. A metrópole foi riscada do mapa e perto de um milhão de habitantes abandonaram suas ruínas.
Em 17 de agosto do mesmo ano 376 fortalezas voadoras B-17, da USAAF, escoltadas por grande quantidade de caças fizeram um ataque duplo às cidades vizinhas de Schweinfurt e Regensburg visando destruir as fabricas de componentes de aviação. Dois meses depois, em um segundo raid, 351 bombardeiros anglo-americanos despejaram novamente suas bombas sobre as mesmas instalações industriais de Schweinfurt. Estes ataques não foram coroados de êxito integral, contudo conseguiram parar a produção das fábricas por algumas semanas.
Em 22 de outubro o alvo foi a cidade de Kassel, importante centro industrial militar, onde 569 bombardeiros da RAF, lançaram durante a noite 1.800 toneladas de bombas incendiárias, causando a morte de 10 mil pessoas.
Em novembro e dezembro os ataques se intensificaram ainda mais com incursões quase diárias sobre diversas cidades - Frankfurt, Essen, Bochum, Düsseldorf, Colônia, Leverkussen, Leipizig, Duisburg e, principalmente Berlim, destacando-se nesta última os bombardeios de 18 de novembro (com 444 aeronaves), 22 de novembro (com 764 aeronaves) e 16 de dezembro (com 498 aviões).
A Luftwaffe mostrava-se incapaz de deter estes enormes e contínuos bombardeamentos devido a perda de aeronaves e pilotos experientes.
Hitler havia levado a guerra ao continente europeu de forma cruel e, agora, o povo alemão estava pagando o preço com a visita da morte em sua residência vinda dos céus.

O fracasso no Atlântico:  A arma submarina alemã era realmente formidável. Hitler sentindo-se incapaz de concorrer com a frota de superfície britânica, priorizou a construção de submarinos com o intento de destruir os carregamentos marítimos comerciais dos aliados. Os primeiros anos da 2ª Guerra Mundial foram marcados por vitórias significativas para os alemães que afundaram grandes quantidades de navios com suas preciosas cargas. Muitos comandantes de submarinos tornaram-se famosos e foram cobertos de condecorações em função dos resultados alcançados. Finalmente em maio de 1943 os britânicos anunciaram a descoberta de um novo tipo de radar instalado em aviões de patrulha naval que facilitou a localização e destruição de submarinos quando estivessem na superfície, longe de qualquer perigo. O número de submarinos alemães postos à pique cresceu na mesma velocidade que o número de afundamentos de navios aliados baixou.
Só para termos ideia do fato, em janeiro de 1943 os submarinos nazistas afundaram 45 navios (215,5 mil toneladas). Em agosto do mesmo ano 26 navios (93,1 mil toneladas) foram para o fundo dos oceanos e em dezembro este número caiu para somente 14 (68,9 mil toneladas).
Por outro lado as perdas de submarinos registraram os seguintes números: janeiro de 1943 marcou o afundamento de 7 submarinos, maio 42, julho 37 e agosto 24 submarinos. Era uma percentagem de perda maior do que a capacidade de produção industrial. Com números tão negativos e a morte dos seus melhores comandantes de submarinos, era natural que Hitler atendesse o comandante da marinha e se retirasse da batalha.


Os acontecimentos terríveis aqui relatados estavam tirando a tranquilidade do Führer a ponto de sua saúde tornar-se cada vez mais débil ao mesmo tempo em que culpava todos ao seu redor, principalmente seus generais, como responsáveis por estes fracassos. Mas o pior ainda estava por vir. O ano de 1944 traria reveses ainda maiores...

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